Corri pra assistir Barbie porque estava cansada de ver filme de “hominho”

Last Updated: setembro 18, 2024By

E porque é uma aula de estratégia de marketing, que fez um filme de “menina” ser pop e faturar US$1bi pela primeira vez

No dia do lançamento de Barbie, corri pra um cinema de rua, na sessão das 13h30 da tarde, para evitar a sala cheia dos shoppings de noite. Não fui de rosa e pensei que não encontraria pessoas a caráter no Reserva Cultural, num horário em que costuma ser frequentado só por senhorias. Mas, até lá, uma meia dúzia de pessoas com roupas na cor do ano da Pantone tirava fotos na caixa gigante colocada no hall para promover o filme.

Sim, eu brincava de Barbie quando era criança e adorava, principalmente a parte de trocar as roupinhas e criar combinações diferentes. Mesmo assim, confesso que achei exagero a overdose de looks rosa que invadiram os cinemas (e as ruas e redes sociais) desde a pré-estreia para influenciadores. Mas, em um segundo momento, repensei: “se pode marmanjo com fantasia de jedi e homem aranha, porque não pode todo mundo de lookinho pink?”.

Quando soube que o filme sobre a boneca da minha infância seria lançado e dirigido pela Greta Gerwig, fiquei animada. Conheci a Greta como atriz e roteirista em Francis Ha, que é delicioso, singelo e me faz lembrar do Antoine Doinel. Depois, dirigiu Lady Bird e Little Women, filmes que abordam de maneira nada superficial a relação entre mulheres e delas com o mundo. Então, imaginei que um filme da Barbie dirigido por ela seria tudo, menos banal.

Com três semanas em cartaz, Barbie atingiu US$1 em bilheteria mundialmente, fazendo de Greta Gerwig a primeira diretora mulher a atingir esse valor de bilheteria. Sim, o filme é comercial e usou pautas importantes do feminismo para aumentar a venda de bonecas e trocentos mil outros produtos licenciados, deixando a Mattel e a Warner ainda mais ricas. Porém, fiquei muito feliz por ver um filme pop com temática feminina, com mulheres protagonistas, à frente das câmeras e nos bastidores, alcançando tanta gente, sendo tão comentado em tantos círculos sociais diferentes, por homens, mulheres, meninos e meninas de várias idades.

Não aguentava mais ver só filme de “hominho”  – que era como a gente chamava antigamente os bonecos de heróis, que hoje têm o nome chique de action figures – dominando as bilheterias e ganhando dinheiro com venda de brinquedo, camiseta, caneca e todo tipo de cacareco que se possa imaginar, inclusive (ou principalmente) para adultos. Para se ter uma ideia, os dez filmes com maior bilheteria no primeiro final de semana são: “Vingadores: Ultimato”, “Homem-Aranha”, “Vingadores Guerra Infinita”, “Star Wars”, “Star Wars: O Último Jedi”, “Jurassic World”, “Os Vingadores”, “Pantera Negra”, “O Rei Leão” e “Os Vingadores: Era de Ultron”.

Não que mulheres não assistam e gostem desses filmes, mas nenhum deles gira em torno do universo feminino, por um olhar feminino.

Barbie não entrou no top dez de maior faturamento na estréia, mas chegou perto, com US$155 milhões, e não foi à toa. O tsunami hype de rosa que nos atingiu foi criado por uma estratégia inteligentíssima de marketing, de produção, de roteiro, de lançamento, com detalhes muito bem amarrados.

Barbie Zeitgeist

Um dos grandes responsáveis por transformar a boneca em uma marca onipresente no período que antecedeu o lançamento do filme, Richard Dickson, agora ex-diretor de operações da Mattel, acabou de ser contratado como CEO da Gap, que está precisando de um up, com um salário anual de US$1,4 milhão. Encarregado de estratégia, marketing, design e desenvolvimento, gerenciamento de franquias, incluindo licenciamento e merchandising, eventos ao vivo e jogos digitais, Dickson leva o crédito por reviver a franquia Barbie e aumentar as outras marcas importantes da fabricante de brinquedos.

Construído milimetricamente desde o início, o Barbie zeitgeist, incluiu um mix de mídia paga em canais, momentos e conteúdo bem pensados, ações em parceria com grandes marcas, licenciamentos e uma estratégia crescente de oferecer “migalhas” aos poucos, gerando curiosidade e colocando o assunto no centro das conversas de pessoas de diferentes universos, de cinéfilos a fashionistas. Zara, Riachuelo, Starbucks, Condor, Microsoft e até Burguer King, que lançou um hambúrguer com molho rosa, estão entre as mais de 100 marcas que surfaram a onda do filme com produtos licenciados.

Todo mundo só fala da Barbie

A primeira imagem, de Margot Robbie como Barbie, dirigindo o conversível pink na Barbieland, foi divulgada em abril de 2022, na CinemaCom, em Las Vegas, pouco antes do início das gravações em Santa Mônica, onde Robbie e Ryan Gosling seriam vistos em figurinos neon, prontos para serem capturados em imagens de bastidores que viralizaram na internet. A escolha da data de lançamento, em dobradinha com Oppenheimer, também ajudou a criar a bomba de memes que dominaram as redes sociais.

Porém, antes mesmo da estratégia de divulgação, a escolha da roteirista e diretora foi uma inteligente jogada. Greta Gerwig começou a carreira com filmes independentes e, apesar de ter sido indicada ao Oscar por duas vezes, seus filmes mantinham uma aura “cult”, abordando o universo feminino. Em 2021, Margot Robbie disse que a amada boneca “vem com muita bagagem e muitas conexões nostálgicas. Mas com isso vêm muitas maneiras de atacá-la. As pessoas geralmente ouvem ‘Barbie’ e pensam: ‘Eu sei o que esse filme vai ser’, e então ouvem que Greta Gerwig está escrevendo e dirigindo e dizem, ‘Bem, talvez eu não saiba.”

O primeiro teaser do filme reforçou a sensação de que o filme fugiria às expectativas. Além de atingir um público massivo, já que foi ao ar estrategicamente antes das exibições de “Avatar: The Way of Water” – continuação do filme de maior bilheteria do cinema e que passou a ocupar a terceira posição no ranking -,  fazia referência a “2001: Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick. Foi mais um passo para levar a conversa sobre Barbie para fora da bolha feminina, chamando a atenção de amantes de cinema e fazendo perceber que seria muito mais do que um live action infantil.

Barbiecore

Mas isso foi só o início do movimento rosa. Fora das telas, o bureau de tendências WGSN anunciou o tom de pink ‘Orchid Flower’ como cor do ano de 2022 e o Barbiecore como tendência para o mesmo ano. O chute inicial para a tendência se espalhar na moda foi dado pela Maison Valentino, também em 2022, com a apresentação de uma coleção inteira em Pink PP, tonalidade criada com exclusividade para a marca pela Pantone, que chancelou a trend com o a escolha do Viva Magenta como cor do ano de 2023.

Gerando ainda mais imagens virais, durante o período de lançamento Margot Robbie incorporou a boneca de corpo, alma e looks, na frente das câmeras e nos bastidores, com ajuda de seu stylist Andrew Mukamal, que selecionou a dedo as peças para grandes eventos e para momentos casuais, como a chegada da atriz em aeroportos, inspirados ou idênticos aos modelos de Barbies icônicas. No filme, a premiada figurinista Jacqueline Durran trouxe peças diretamente dos arquivos da Chanel ou recriados especialmente para o filme.

De acordo com o relatório “Year in Fashion” de 2022, do site Lyst, Barbiecore foi a principal tendência em 2022, atingindo o pico em junho – provocando um aumento de 416% nas pesquisas por roupas rosa. No TikTok, a hashtag #Barbiecore já acumulou mais de 365 milhões de visualizações. Porém, mais do que uma tendência passageira, Barbicore pode se tornar um movimento que vai se sustentar por um bom tempo, extrapolando a cor das roupas.

Filmes sobre o universo feminino – como os anteriores da própria Greta –  costumam ser consumidos por um público específico, por serem considerados dramáticos ou cult demais, quando não são comédias românticas rasas. Barbie consegue ser pop e divertido, mas ao mesmo tempo crítico em diversos níveis, a ponto de ser acessível e agradável a públicos com diferentes níveis de consciência sobre a posição da mulher no mundo atual. Apesar de falar sobretudo a mulheres adultas, tem conseguido levar a conversa para diferentes círculos, mesmo desagradado uma parcela do público, principalmente masculino, que, por uma lacuna na interpretação, se sentiu ameaçada gratuitamente pelo vislumbre de um mundo em que, ao contrário do real, as mulheres dominam.

Para mim, Barbie entregou o que prometeu. Me diverti com a forma caricatural, combinando literalidade e ironia, usada para transmitir mensagens sobre um tema tão importante e complexo de abordar (principalmente quando se fala com pessoas fora da bolha feminista). Chorei (de raiva) na hora em que a Barbie entra na sala da diretoria da Mattel que só tem homens e, claro, me identifiquei com o monólogo da America Ferreira sobre o que é ser mulher nos dias de hoje.

O histórico da Barbie, assim como o filme, tem seus BO’s, mas ainda assim considero o longa um sucesso (comprovado pelas bilheterias) pela estratégia tão bem amarrada para levar uma mensagem importante e atual a tanta gente, divertindo sem ser superficial. Orgulho de ver um filme pop, sobre mulheres e feito por mulheres, mostrando que não é só filme de hominho que vende.

Leia o artigo completo no Update or Die!.

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